sábado, 4 de julho de 2009

DIVERGÊNCIA E CONVERGÊNCIA

Fonte: Portal da Propaganda
“É impossível a um homem aprender aquilo que ele pensa que já sabe."
Epicteto
A Europa dentro de nós
Concordamos que a dificuldade de olhar um objeto ou situação sob novos ângulos e de repensar a respeito procede de noções como normal versus anormal e certo como antípoda de errado, enraizadas na cultura. Mas não são apenas esses os limitantes.
É necessário levar também em conta a permanência da cultura branca – européia, ibérica, católica e um tanto moura – no sistema ideológico da sociedade brasileira. Essa herança impregna o imobilismo das convicções com um sacrossanto autoritarismo que acha legítimo ser defendido com os dentes cerrados: “Essa é a minha opinião!”.
Faz falta um estudo antropológico do tribalismo europeu. O autoritarismo das convicções estende-se a toda a Europa, apenas com variação de nuances. Essa leitura não visa um juízo ético ou político do continente europeu, nem expressa qualquer grau de aversão. Esse traço das culturas européias inibe a flexibilidade e a expansão do pensar. Dispensável lembrar o preço alto e permanente que os próprios europeus pagam por seu “apego à verdade eterna e acomodada”. Nietzsche, o precursor da linguística, foi certeiro: “As convicções são inimigos mais poderosos que a mentira”.
Tanto os europeus quanto os latino-americanos (e os anglo-americanos também) precisam ganhar clareza sobre as afinidades autoritárias que, em nossos sistemas ideológicos, estão frenando a flexibilização do pensar.
Divergência & convergência – o “milagre”
Foi na América, mais precisamente no nordeste dos EUA, que a partir dos anos 50 começou o “truque”, logo alçado a estratégia, de proporcionar à operação do Pensar Criativo duas etapas distintas e complementares: divergência e convergência. No princípio, uma aventura empírica de trabalhadores dedicados que parecem não haver levado em conta William James e John Dewey, seus predecessores e compatriotas.
O que aqueles arrojados empíricos (Alex Osborn, Sidney Parnes, Ruth Noller, Angel Biondi, John Arnold, Bob Eberle e tantos outros) começaram a descobrir/inventar foram táticas como a de aproveitar o movimento do pensar para torná-lo menos previsível e, assim, desfolhá-lo em novas possibilidades, trilhas e revelações. Os achados daquelas primeiras décadas foram tão surpreendentes que logo se foi formando uma atmosfera de milagre e magia. Atraente a princípio, essa aura porém já sufocou muito do caráter neo-iluminista da saga inicial.
Mas deixemos de lado essa derrapagem. Importa destacar as conquistas.
Os interstícios, as nanobrechas entre os micromomentos do pensar são o campo de exploração ainda hoje predominantemente empírico da inteligência na aventura da divergência. Penetra-se nesse oceano submerso (e deliberadamente ignorado) para “encontrar” algo que com frequência não se pretende antecipar o que seja, ou simplesmente para inflectir outro rumo ao “pensar instalado”, rumo este que também não é previamente escolhido.
A atitude fundamental na divergência é o julgamento adiado, que consiste em deixar aflorar percepções, sugestões e idéias em uma fluência não-crítica. É compreensível que nesse clima predomine o pensar lúdico que, para as pessoas não previamente preparadas, parece irresponsável e improdutivo. Ao fim de uma sessão de divergência, faz-se uma coleta, ainda não o julgamento, do material que pode provocar outras associações na passagem para a convergência.
Antes de falarmos da convergência, citemos alguns instrumentos e técnicas utilizados na divergência, tanto para penetrar nos interstícios do processo de pensar quanto para contribuir para uma nova correnteza.
O brainstorm é sem dúvida o mais frequente, por ser o mais simples e o mais produtivo. No que se refere à prática no Brasil, mais de 90% do que se pretende como brainstorm ainda não o é, porque são reuniões em que falta exatamente o julgamento adiado, requisito imprescindível, e porque tanto os grupos não foram instruídos para a atividade como os “facilitadores” são na verdade monitores que por alguma razão não foram preparados técnica e eticamente para a responsabilidade.
Mas mesmo no Brasil há quem também pratique a Escada da Abstração (recurso inspirado na técnica socrática e dos sofistas de trabalhar com as perguntas “Por que?” e “Para que?”), a Associação Forçada (“forced fitness”) e “check-lists” como o Scamper e o Roteiro do Repórter, que são produtivos quando em real clima de divergência. Se forem praticados como um simples mapeamento de memória, nada acrescentam para a finalidade.
Ao haver proliferado variedade na etapa da divergência, ingressa-se nas táticas de aproveitamento quase-crítico – a nosso ver, mais-que-crítico – da convergência. Aqui busca-se foco, mas reinam atitudes avessas à “crítica burocrática” vigente nos círculos técnicos, administrativos e acadêmicos. Por exemplo, o julgamento afirmativo não é o milenar julgamento de Talião, que condena, elimina, pune, expurga. É mais uma radiografia ou análise de atributos. Em vez de afirmativo – anglicismo de sentido difuso para nosso entendimento em linguas latinas –, talvez devesse chamar-se julgamento descobridor, aprendiz, aproveitador ou salvador.
São surpreendentes os ganhos de quem passa a praticar a alternância das etapas divergência & convergência. Surpreendentes porque a prática continuada não cessa de proporcionar diferenciações e descobertas nos mais diversos campos. Surpreendentes porque chegam a mudar cursos de vida. E surpreendentes porque com frequência surpreendem as mentes mais atentas.
A flexibilização do pensar amedronta os autoritários dentro de suas armaduras. Mas, quando o julgamento adiado e o julgamento afirmativo conseguem penetrar as frestas das convicções, acontece aquilo que os beatos do não-pensar chamam de milagre do salto lógico.
José Leão de Carvalho (ilace@ilace.org.br) é diretor metodológico do Instituto Latino-americano de Ciências Cognitivas e Estratégia (www.ilace.org.br).

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